PROCURANDO O CAMINHO

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Cazuza

Paquito
De Salvador (BA)


O novo de hoje pode ser o datado de amanhã. Nos anos oitenta, na música pop, se dizia que estávamos livres dos excessos dos setenta, tais como as faixas extensas dos discos de rock progressivo e a enormidade dos solos de guitarra.

Cada época com seus excessos, no entanto: nos oitenta, as canções pop voltaram a ficar curtas e simples, mas, na sonoridade, ansiava-se pelos melhores graves, o som de cada peça da bateria era equalizado à exaustão, e havia um padrão a ser seguido quanto ao uso de sintetizadores e efeitos nas guitarras. O resultado era um som que queria ficar robusto, mas padecia de obesidade mórbida, falso feito os figurinos e maquiagem dos cantores nos vídeo-clips da época.

Dito assim, parece covardia fazer esse tipo de crítica num período distanciado, vinte e tantos anos depois, mas eu me defendo bem: nem naquela época eu curtia essa estética, que fazia todo mundo parecer de plástico, achando muito chique ser assim.

Cazuza, no entanto, era um dos que fazia a diferença, sem forçar a barra. Ouvi-lo cantar Down em mim, com o Barão Vermelho, no Rock in Rio, enquanto eu zapeava no YouTube, me fez estacar. Colocar em uma letra a palavra "down", um clichê do blues, sem parecer pastiche da matriz norte-americana, é uma mostra da força de Cazuza, com ou sem o Barão Vermelho.

Não que, na carreira solo, ele tivesse conseguido um melhor resultado. Na verdade, Cazuza estava imerso na estética oitentista, e o som das suas gravações não fugia àquele padrão. O que saía do figurino era só ele, suas canções e seu canto. O verso "ideologia/ eu quero uma pra viver" expõe este Cazuza sem lugar, em busca de algo "out" naquele tempo de "ins".

Aliás, vi em O som do vinil, programa do canal Brasil, apresentado por Charles Gavin, Léo Jaime dizer que Cazuza era seu "figurinista", isto é, emprestava roupas para ele se apresentar, mas quando Léo viu a letra de Down em mim, indicou o amigo pra ser vocalista do então iniciante Barão Vermelho. Segundo Léo, ele mesmo teve que fazer muitas canções até chegar à maturidade como compositor, mas Cazuza conseguiu logo naquela primeira, cujos versos diziam : "Eu não sei o que o meu corpo abriga/ nestas noites quentes de verão/ E nem me importam que mil raios partam/ qualquer sentido vago de razão."

Em outro depoimento do mesmo Som do vinil, Frejat, guitarrista do Barão, disse que, no primeiro ensaio do grupo com Cazuza, este foi logo soltando um grito. A partir daquele grito, tornou-se perceptível que aquela era a peça que faltava para a banda ter uma cara, uma essência. Cazuza era o grito que faltava. E o que sobrava, também, exagerado. Sabia cantar gritando e ser musical, como reza a tradição do canto norte-americano, mas que não é muito a praia dos cantores brasileiros.

Além disso, Cazuza também rendia um tributo à tradição de Maysa e Dolores Duran, intérpretes e autoras da música de fossa, o nosso blues, sendo ele e sendo roqueiro, blueseiro, destemido, trágico, desigual, em obra e em vida.

E O som do vinil é o programa que faltava. Saber dos bastidores das produções de discos brasileiros faz a gente reouvir os mesmos discos com outros ouvidos. Como Gavin é músico, ele se comunica bem com os colegas, e os entrevistados ficam soltos. E Gavin curte os discos de que fala, é o seu hobby que virou profissão. Ver a cara dos "invisíveis" também é bom: produtores, instrumentistas e compositores, que são geralmente apenas um nome nas fichas técnicas se tornam gente de verdade, tridimensionais, atípicos, únicos.

Quem esteve nos bastidores da produção de um disco é que sabe da aventura que é estar em um estúdio de gravação. Gavin faz a gente viver e reviver tais aventuras.

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